sexta-feira, 26 de março de 2010

Herdeiro

Recebeu uma carta.
Abriu o envelope.
Era um testamento.

Seu pai morreu.

Era agora um herdeiro.

O testamento dizia:
Herdaste meu sangue
Herdaste meu perdão.

Herdaste minha culpa.

Nada era verdadeiro.

Deus não era seu pai
E ele não era especial.

Cagou sobre o escrito sagrado
E pôde seguir sua vida em paz,
Pois de qualquer forma deus estava morto.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Confissão


Profanar
v.t. Tratar com irreverência as coisas sagradas; desrespeitar a santidade de: profanar uma igreja. / Fig. Ofender; manchar; macular: profanar a arte.
http://www.dicionariodoaurelio.com/dicionario.php?P=Profanar

É confissão que você quer? Tudo bem, eu te contarei, pode sentar que eu te conto:
Sim, eu ia na igreja todos os domingos, via a missa, rezava e todas aquelas coisas, e depois comia o corpo de cristo, rezava mais um pouco e ia embora. Depois eu tinha que ter o sangue de cristo, uns anos atrás eu parava em um restaurante e pedia uma taça de vinho e a tomava em uns três goles.Depois ia pra casa, passava pela pracinha atras da igreja, entrava na vielinha e pronto ficava vendo tv, comia alguma coisa e dormia, mas as coisas mudam com o tempo e comecei a beber o mesmo vinho em dois goles, depois passei a um gole. Chegou um dia que pedi duas taças, depois foram três, uma garrafa...queria me enxarcar com o sangue de cristo, quem sabe minha vida mudasse, mas eu precisava mais, comecei a me dedicar cada dia mais, lia sempre a biblia, e sempre chegava mais cedo na missa de domingo.Mas não era suficiente, o vinho não era suficiente, comecei a ir em várias missas e comer o corpo de cristo e em cada restaurante perto da igreja tomava vinho, mas a dor foi crescendo, eu precisava cada dia mais de cristo, foi quando eu vi a inocencia e ela vestia saia e uma camisetinha, era linda a inocencia, ela ia sempre pelo mesmo caminho e sentava na pracinha pra tomar sorvete, e eu bebendo o sangue de cristo, meu coração apertou a dor foi muito grande, não queria que ela me visse neste estado então desviava o meu olhar, mas ao mesmo tempo ela me atraía e me acalmava, fui até ela, perguntei qual era o seu nome, perguntei onde estava sua mãe, perguntei o que ela queria, perguntei se ela podia me ajudar, a levei pra minha casa passando pela vielinha, a coloquei sentada perto de mim no sofa, ela tão pequena, pura como cristo, a dor voltou, eu precisava do sangue de cristo, eu precisava, eu precisava, ela me ajudou, eu me banhei e bebi do sangue puro de cristo, aquilo me acalmou, me revigorou, liguei a tv e fiquei tranquilo, ela foi a primeira.Hoje tenho mais cristo em mim do que você pode imaginar, eu sou a prova viva de que cristo pode existir em cada um de nós...
Pronto era disso que você precisava? Agora me de licença pois preciso rezar algumas ave-marias e mais o pai nosso.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Ser ou não ser!

Cena 01 - Cemitério - Anoitecer - Ext.
COVEIRO 01, Afro-descendente, 47 anos, careca, vestindo macacão da prefeitura. COVEIRO 02, Branco, 25 anos, cabelos na altura dos ombros e bagunçados, vestindo macacão da prefeitura. Se aproximam de uma cova semi-aberta.

Os dois entram na cova e começam a cavar.

COVEIRO 01 se abaixa e retira um crânio de dentro da cova.

COVEIRO 02 continua a cavar.

COVEIRO 01 segura o crânio em suas mãos virados para o seus olhos.


COVEIRO 01
Ser, ou não ser, eis a questão! Que é mais nobre para a alma? Suportar os dardos e arremessos do fado sempre adverso (CONTINUA)...

COVEIRO 02 para de cavar e se vira emburrado para o COVEIRO 01

COVEIRO 01
... ou armar-se contra um mar de desventuras e dar-lhes fim tentando
resistir-lhes?

COVEIRO 02
Ah, pode parar com essa porra!

COVEIRO 01 para atordoado


COVEIRO 02
É Mermão, pode parar com essas porras, certo? Nem gosto disso! Fica pegando as caveira e vai falando esses poeminha du caralho.

COVEIRO 01
Qual é a treta?

COVEIRO 02
Cê tá ligado que o nosso trampo já é foda! A gente tem que ficar enterrando e disinterrando essas coisa!

COVEIRO 01
E dai?

COVEIRO 02
E dai que mexer cum us morto é pedir pra ter treta cara, tá ligado? Minha véia sempre disse que esses negócio de procacação; protastação..

COVEIRO 01
Profanação!

COVEIRO 02
É, essa merda ai. Que isso nunca ia dar certo, que esse trampo tá tudo errado.

COVEIRO 01 (rindo)
Cê tá ficando louco mesmo! A gente nem tá profanando nada!

COVEIRO 02
Claro que tá porra, a gente desenterra morto que devia tar enterrado. E para de rir alto porra! Essas merda de poeminha que tu fica falando atrai tudo as alma du inferno. Porra, porque eu tinha que trampar logo aqui?

COVEIRO 01
Esses poeminha que eu leio é tudo de um puta cara foda, tá ligado? O cara foi um poeta du caralho pra tu ficar falando essas merda ai.

COVEIRO 02
Já disse, foda-se! Você e esse seu cara foda!

COVEIRO 01
Só pra cê saber, ele foi o maior poeta das época dele!

COVEIRO 02 (assustado)
Então quer dizer que ele tá morto agora?

COVEIRO 01
Claro que tá!

COVEIRO 02
E você fica falando essas bosta e trai o morto ai de volta, porra!

COVEIRO 01
Volta porra nenhuma. Cê que tá se cagando de medo!

COVEIRO 02
Vai se fuder, porra!

Os coveiros escutam um barulho de folhas sendo esmagadas atrás de uma árvore próxima.

COVEIRO 02 esta muito assustado.


COVEIRO 02
Ai, deu merda, sabia. Caralho!


COVEIRO 02 pula de dentro da cova e sai correndo.

COVEIRO 01 Ri e olha para a árvore. De trás da árvore sai um gato malhado de preto e branco e se aproxima do coveiro.
Ele pega a gata na colo.


COVEIRO 01
Ofélia, minha bela! O que estas a procurar nesse jardim?


FIM

terça-feira, 2 de março de 2010

Noite de Lua Cheia

Sua boca estava seca e suas feições ainda mais amedrontadoras.
Sente seus músculos vibrarem. Sua pulsação aumentar.
Não consegue mais pensar por conta própria.
O instinto começa a tomar o controle. Ele luta contra, mas é inútil.
Começa a correr. Cada vez mais rápido. Uma aceleração contínua e sem possibilidade de parada.
As mãos vão ao chão e ajudam no impulso e no acréscimo da velocidade.
Não há nenhum sinal de cansaço, apenas uma sede terrível em seus olhos.
Aos poucos ele se aproxima de um penhasco na ponta desse penhasco estava um cervo.
O cervo é belo com suas pelugem marrom. Mas em pouco segundos suas garras fincam fundo no flanco do animal. O cervo não grita, pois no exato momento em que sua boca se abre, outra garra perfura a sua garganta e ele cai imóvel no chão.
Sua boca chafurda na carne e no sangue de sua primeira vítima da noite.
A lua cheia brilha no céu e a sua transformação se completou.
O sangue do cervo escorre por entre seus dentes.
Ele olha para a lua e uiva.
Não é mais homem, é animal.

...


- Morango...
- Com chantilly?
- Não, adoro sentir a textura do morango, segurar suavemente e morder bem devagar e sentir o gosto da fruta deslizar pela língua até ficar azedinho e engulir.
- Nossa! Deu até agua na boca, você é bem detalhista, né?
- Nem tanto, eu só presto bem atenção ao que me atrai, minha vez, bebida?
- Cerveja!
- Assim na lata?
- Não consigo ser diferente.
- Isso é verdade e essa mão?
- Sentindo a textura...
- Sei...
- Você gosta de uva?
- Sim, branca e da Borgonha, você tem?
- Apesar de amar cerveja, não vivo sem Chardonnay.
- Uh...que inteligente!
- Inteligência é afrodisiaco minha cara.
- Amém e as taças?
- Quero continuar analisando a textura.
- Ok, posso experimentar e analisar primeiro?
- Be my guest.
- Merci, você por acaso tem morango?
- Não misture os gostos.
- Você nunca me disse que tinha outra tatuagem.
- Você nunca perguntou
...
- Deixe eu beber um pouco agora, um Chardonnay é sempre ótimo.
- Nem me fale, ei...vai com calma, saboreie.
- Não precisa dizer de novo.
- Daria tudo por um morango...
- Desculpe!
- Daria tudo por um morango...
- Não desculpe, eu não queria machu...
- Não se preocupe, continue...acontece na primeira vez...
- Como assim? Por que você não me falou?
- Você não me perguntou...e tinha que ser assim, com você, com meu pensamento com gosto de morango e um Chardonnay.

VERMELHO E DE GOSTO PECULIAR

Não era exatamente uma visão confortável. Era vermelho e tinha um gosto peculiar.
Ela pensou seriamente em chorar, mas de nada adiantaria, pois o mundo era um deserto particular.
Foi terrível o acidente. A sorte a salvou. Sim foi a sorte, esta magnifica “coisa” na qual ela sempre acreditou e sempre acreditaria.
Ela acreditava em jogos. Aquele era o resultado de um jogo íntimo.
Até que ponto eu posso chegar? Pensou 5 minutos antes.
Certamente já havia ocorrido outrora, mas só agora ela tinha discernimento para horrorizar-se com o vermelho em suas pernas. Estranho foi constatar que por dentro tudo é liquido.
Levantou-se e correu para o gramado. Olhou para o caminho percorrido para certificar-se de que não haviam migalhas vermelhas. Nenhuma gota. Tudo esta encrostado em suas pernas.
Teve vergonha. O que iriam pensar os que olham de cima? Como voltaria para sua casa?
As perguntas não faziam sentido, até porque conhecia bem as respostas. Era uma questão de tempo e coragem transformar as respostas obvias em ação.
A grama estava queimada, seus olhos lacrimejantes, sua bicicleta ruborizada, suas pernas cruentas.
Delongaram-se pouquíssimos segundos para que ela percebesse que sangrara, e aquela consciência perduraria até seu leito de morte.
Agora eu sei o que é sangue. Disse ela em voz alta.
As nuvens anunciavam a proximidade da chuva.
Resoluta ergueu-se e ignorou a dor. Colheu sua bicicleta, antes abandonada no sarjeta, e exitou antes de montá-la novamente. Apostou novamente na sorte, e conseguiu bater o recorde de velocidade estabelecido pouco antes do acidente.
Tinha 6 anos e percebeu que sangrava, mas nada mudou. Mesmo sangrando ela continuou.